Carne de vaca. E porque não?

Opinião de Manuel Cancela d’Abreu

Fiquei muito surpreendido quando vi a notícia de que o Reitor da Universidade de Coimbra anunciou que, a partir de 2020, aquela Universidade iria eliminar o consumo de carne de vaca nas suas cantinas por ser a carne com maior produção de CO2. Surpreendi-me porque sempre considerei que as decisões tomadas a nível universitário deveriam ser tomadas com base em evidências científicas e, como alguém que estuda e trabalha há mais de 40 anos em nutrição de ruminantes, não é tão evidente assim o efeito maléfico da produção de bovinos sobre o ambiente e o seu contributo para o aquecimento global.

Não se pode negar que os bovinos, como qualquer ruminante, produzem CO2 e Metano, durante o processo digestivo, em quantidades superiores aos outros animais. Esta produção é devida à utilização de alimentos fibrosos que não são digeríveis pelos monogástricos. Só os ruminantes conseguem utilizar grandes quantidades deste tipo de alimentos, com baixo valor nutritivo, transformando-os em proteína de alta qualidade para a alimentação humana e fazem-no com uma eficiência relativamente elevada. Em termos médios, a produção de CO2 de uma vaca é cerca de 3 toneladas por ano. Contudo não devemos considerar apenas a produção total de gases com efeito de estufa, mas o balanço destes gases no sistema de produção.

A maior parte dos alimentos dos ruminantes provêm de pastagens e forragens que são grandes fixadores de CO2.. Uma pastagem com uma produtividade média fixa cerca de 9 toneladas por hectare e ano, na parte aérea das plantas, e mais 4,5 toneladas no solo. Considerando uma relação média de 2 ha de pastagem por vaca e ano, a quantidade de carbono fixado suplanta largamente a produção.

Devemos ainda considerar que o pastoreio tem a grande vantagem de reciclar um grande volume de nutrientes, como o azoto ou fósforo, sendo a sua exportação muito baixa. É ainda dos poucos sistemas agrícolas que promove uma melhoria das funções do solo, nomeadamente um aumento da infiltração e da retenção de água e um aumento da fertilidade. É por estes factos que as pastagens têm mostrado uma grande adaptação às alterações climáticas, o que é ainda mais notório nos sistemas agro-silvo-pastoris como o Montado ou os lameiros e os baldios do Norte do país.

Só no espaço da União Europeia existem mais de 57 milhões de hectares de pastagens permanentes e cerca de 10 milhões de pastagens temporárias, dos quais mais de1,8 milhões em Portugal, representando no total cerca de 39% da superfície agrícola útil. Estas pastagens utilizam os solos marginais, menos férteis e produtivos, com fraca aptidão agrícola e que, quanto muito, poderão ter uma aptidão florestal. As previsões, devido à maior resistência às alterações climáticas, são de que esta área venha a aumentar à custa de áreas anteriormente utilizadas na produção vegetal que venham a perder a sua capacidade produtiva, tornando-se numa medida de adaptação às novas condições climáticas. O que fazer então aos milhões de toneladas de alimentos fibrosos que, todos os anos, se transformam em carne e leite, produtos ricos em proteína de elevado valor biológico, vitaminas do complexo B e minerais de que o homem necessita na sua alimentação? Vamos abandonar as pastagens aos matos e à floresta desordenada? Este abandono tem como principal consequência o aumento do risco de incêndio e da área ardida, como temos visto no Norte e Centro de Portugal. Gostaria de acrescentar que sou totalmente contra a desmatação de florestas, como tem vindo a ser praticada na Amazónia, para a criação de novas zonas de pastagem ou para a cultura da soja.

Ao contrário do que alguns afirmam, há muitos trabalhos científicos que demonstram que o pastoreio por ruminantes, quando bem conduzido, contribui para um aumento da biodiversidade tanto vegetal como animal. Por outro lado, há bastantes anos que se estudam medidas de mitigação da produção de gases com efeito de estufa pelos ruminantes como a melhoria da qualidade dos alimentos, manipulação da população microbiana ruminal, utilização de aditivos e seleção de animais mais eficientes. Só com esta última medida estima-se que se possa reduzir em cerca de 25% a produção de Metano. Os ruminantes também consomem e valorizam ou volume elevado de subprodutos da indústria alimentar como as sêmeas, bagaços e polpas, que de outra forma seriam queimados.

É por conhecer bem os sistemas de produção de bovinos e pelas razões acima aduzidas, que continuo a comer carne de vaca, sem me pesar na consciência, pois sei que estou a ajudar à sustentabilidade de uma produção que, quando orientada por bases técnicas e científicas corretas, poderá contribuir para um planeta mais saudável e equilibrado.

 

Manuel Cancela d’Abreu

Professor do Departamento de Zootecnia da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, investigador do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM)

Publicado em 26.09.2019
Fonte: GabCom | UÉ