Climatofilia Folclórica e problemas sérios
Opinião de António Heitor Reis

Amílcar Falcão, Reitor da Universidade de Coimbra, pretende abolir a carne de vaca da ementa das 14 cantinas daquela instituição de Ensino Superior, a partir de janeiro de 2020.

E o Magnifico Reitor não vai abolir o iogurte? E o queijo Flamengo? Vai deixar de servir o galãozinho” da manhã aos estudantes? E vai deixar de comprar sapatinhos de couro e usar xanatas de plástico? O Magnífico ganhou a sua hora de telejornal, honras de 1ª página, fez a sua “boa acção” do dia, será forte candidato a um “honoris causa” pela Universidade de Delhi, mas não definiu para a sua Universidade uma linha de conduta credível.

O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, criticou publicamente, esta quinta-feira, a decisão do reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, de banir a carne de vaca das ementas das 14 cantinas daquele estabelecimento de Ensino Superior, já a partir de janeiro de 2020. Do lado de quem apoia a medida surgiu João Matos Fernandes, ministro do Ambiente.

Pois, está clara a estratégia do Governo quanto a alterações climáticas!

“Pelo menos 25 localidades portuguesas já confirmaram presença na semana de mobilização internacional pelo clima, que culminará numa greve global a 27 de setembro”

Greve global? Contra incertos? Falharam as negociações? Está a arder a nossa casa, a secar a nossa horta, as nossas estradas a serem inundadas e nós vamos fazer greve! Ironicamente, até faz sentido, assim reduzimos as emissões de carbono e contribuímos par a solução do problema. Eventualmente, teremos também o Ministro do Ambiente a fazer greve, a exemplo do Ministro do Ensino Superior  que no ano passado aderiu às manifestações contra a política governamental para o Ensino Superior.

Um problema grave e real como é a mudança climática merece mais que o “bandwagon” folclórico que está a desfilar na praça pública, que inclui figuras que deveriam estar empenhadas na definição de uma estratégia de adaptação do País, e da sua economia à ameaça que se anuncia há pelo menos 3 décadas.

A mobilização das universidades é fundamental para a definição de um estratégia que compete ao Governo, estratégia essa que deverá ser a espinha dorsal de todas as políticas governamentais futuras para que possa ser consequente e produzir resultados palpáveis. O Programa Nacional para as Alterações Climáticas - PNAC 2006, permanece um conjunto, algo desgarrado, de intenções que são levadas à prática de forma avulsa, e só quando não prejudicam o “próximo orçamento”, e tem de ser urgentemente actualizado e elevado a lei da República.

No entanto, mesmo sem a ameaça da alteração climática, uma outra ameaça resulta do facto de a economia actual ser altamente insustentável, porque está muito baseada em recursos fósseis (carvão, petróleo, gás natural) que são finitos. Nos últimos 200 anos, a curva da evolução do consumo de recursos energéticos fósseis é idêntica à curva do crescimento do número de habitantes humanos do Planeta. Significa isto que, tal como uma colónia bacteriana prospera a custa do substrato de que alimenta, estamos também a prosperar à custa do consumo de energia fósseis finitas. Quando se acaba o substrato a colónia morre. É preciso também aqui definir uma estratégia de transição de uma economia, baseada nas energias fósseis e no desperdício, para outra baseada em fontes de energia “renovável” e na sustentabilidade dos recursos (aqui, este Governo já deu alguns pequenos passos louváveis), num programa estruturante que também possa ser elevado a lei da República para que não deixe de ser cumprido pelos futuros governos.

Não vou fazer greve a 27 de Setembro. Vou esperar que passe o “bandwagon”  dos climatófilos folclóricos, e que gente com algum senso e sentido de responsabilidade se decida finalmente a fazer algo que valha realmente a pena e contribua, de facto, para a definição de uma estratégia nacional integrada de adaptação e sustentabilidade face à alteração climática e do fim das energias fósseis.

 

António Heitor Reis

Professor Catedrático do Departamento de Física da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, investigador do Instituto de Ciências da Terra.

Publicado em 20.09.2019
Fonte: GabCom | UÉ